domingo, 11 de setembro de 2011

Liquidific a dor

Há 16 anos meu avô foi para Nova York e quando voltou me mostrou uma foto de uma ponte de vidro em que se via a cidade inteira bem pequena. Me disse que era uma ponte que ligava 2 prédios comerciais enormes, com um restaurante em cima. Com toda determinação do mundo, eu disse "Nossa, quando for pra lá preciso conhecer esse prédio".


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Era uma terça-feira como outra qualquer. Ao sair da escola iria almoçar na casa da minha prima e depois ia ao inglês. Esses eram os meus compromissos do dia.

Era uma terça-feira normal para mim e para o mundo inteiro.

Saí da escola no mesmo horário de sempre, 12:45. Fui a pé até a casa da minha prima, junto com meus amigos que moravam no mesmo bairro que ela. Rotina, toda terça-feira era assim.

Cheguei para almoçar, minha prima de 8 anos já me esperava ansiosa. No meio de uma conversa sobre as atividades pesadissimas da escola, a empregada dela vira e pergunta:

- Você já foi para Nova Iorque?

Achei a pergunta completamente fora de contexto...A troco de quê me perguntar aquilo, aquela hora? Mas, respondi: Não...não resisti e perguntei "Por quê?"

- Ah é que tem um prédio famoso que tá pegando fogo lá, não se fala de outra coisa no rádio.

Pensei "nossa que horror" e voltei a falar sobre as dificuldades da minha prima na escola.

Acabamos de almoçar e decidi ligar a tv.

Foi quando eu entendi...a pergunta, a comoção do rádio.

Eu não esqueço aquela cena....e não porque passaram 1256437 de vezes desde o ocorrido. É porque choca, arrepia. Dá medo.

O avião entrando no prédio, o segundo avião. As pessoas pulando, a bola de fumaça, os gritos.

Por que isso tudo? Pra quê?

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Era uma terça-feira normal para todo mundo, menos para eles.

Eles que sabiam que estavam prestes a morrer e a matar.

Ele que sabia que estava prestes a dar uma lição de moral em nome de Alá. E que assim se tornaria aquilo que naquele momento mais repugnava- um homem poderoso. Era isso que ele queria.

E conseguiu.

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Era uma terça-feira como outra qualquer.

Estavam indo ao trabalho, com suas preocupações habituais.

Tinham discutido no café da manhã, tinham feito planos para o jantar, tinham preparado apresentações para as reuniões do dia.

Era dia de fechar negócios, era o primeiro dia de trabalho, era o último.

Sonhos destruídos de uma forma jamais imaginada. Ninguém podia imaginar que um avião bateria num prédio de propósito.

Ninguém.

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Era o dia da viagem.

De conhecer um lugar diferente, de fechar um negócio, de visitar alguém doente, de ir a um enterro, de visitar alguém na maternidade, de voltar para casa, de começar uma vida nova.

Medo de avião quase todo mundo tem. A idéia de ficar solto no ar, preso em uma cabine, não agrada muita gente. Medo que o avião caia, mas que ele seja sequestrado e bata num avião, não...Ninguém pensa nisso.

Ninguém.

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Como minha prima era muito pequena, desliguei a televisão, vi o que ela tinha de lição pra fazer e fui embora.

Minha aula de inglês foi cancelada.

Cheguei em casa e comecei a ver tudo, com detalhes.

Não conseguia entender.


E hoje, 10 anos depois, continuo sem entender.

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Se aquele dia ficou tão marcado em mim, penso em como ficou marcado para todas as pessoas que sobreviveram, que perderam seus familiares, amigos, colegas de trabalho.

Aqueles que perderam o ônibus e não chegaram a tempo ao trabalho, os que tiveram seus pneus furados, perderam a hora.

Os que conseguiram descer dezenas e dezenas de andares, perderam o fôlego mas sobreviveram.

Sem contar naqueles velhos casos de perdas de voo...troca de lugar, mudança de planos...isso custou a vida de alguns.

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O que restou de tudo isso?

Ódio, guerra, pavor e preconceito.

Eu, no auge dos meus 16 anos não tinha a menor ideia do que era Al Qaeda, Bin Laden...Passei a ter medo de tudo, eu e o mundo.

O pânico no embarque hoje não é só da possibilidade mínima de um avião cair. É medo de um sequestrador, de um prédio grande.

Há quem tenha medo de trabalhar no 15º andar de um prédio de frente pra janela...o avião passa perto.

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E eu pensando: é, nunca mais vou ver o prédio que meu avô falou.

Me restou a foto e a lembrança de algo que nunca vi de perto, mas vi inúmeras vezes caindo.

8 anos depois fui a Nova Iorque.

E vi o espaço...o buraco fundo da construção do que está por vir.

O pesar na voz do taxista.

A igreja que ficou intacta.

Os prédios em volta.

E o resultado de tanta tragédia, de tanta coisa ruim, foi mais força, mais coragem, mais amor a pátria...porque você sabe, né...


If I can make it here, I´ll make it anywhere

It´s up to you

NEW YORK, NEW YORK